Pages

Saber ver a Arquitectura

Bruno Zevi




















A Ignorância da Arquitectura 
 

O público interessa-se por pintura e música, por escultura e literatura, mas não por arquitectura. Os jornais dedicam colunas inteiras a esses temas, mas raramente abordam um palácio novo, mesmo quando realizado por um arquitecto famoso.


Existe sem dúvida dificuldades objectivas, e uma incapacidade por parte dos arquitectos, dos historiadores, dos críticos de arte para se fazerem portadores da mensagem arquitectónica, para difundir o amor pela arquitectura
 
Arquitectos profissionais não tem cultura suficiente para entrar de uma forma legítima no debate histórico e crítico da mesma. A sua cultura está muitas vezes ligada à crónica polémica. Lutando contra o academismo enganoso e voltado a um simples trabalho de cópia, eles têm declarado o seu desinteresse pelas obras autênticas do passado renunciando assim a extrair delas o elemento condutor, vital, perene, sem o qual nenhuma nova posição de vanguarda se desenvolve numa cultura. Não se pode usar pesos diferentes de apreciação para a arquitectura moderna e para a tradicional.
 

Qual é o defeito característico da maneira de tratar a arquitectura nas histórias da arte corrente? A ausência de uma linguagem própria. O edifícios são apreciados pelos mesmos sistemas avaliativos comuns à escultura, pintura, ou seja externa e superficialmente, como simples fenômenos plásticos, esquecendo-se de considerar o que é específico da arquitectura, ou então por engenheiros que abordam as construções técnicas.
 

A ignorância da arquitectura, podemos realmente culpar o público? O desinteresse não será resultado de uma carência de uma interpretação válida?
Termos imprecisos de análise, que poderão ser legítimos se for esclarecida a essência da arquitectura. Termos como; verdade, movimento, força, vitalidade, sentido dos limites, harmonia, graça, repouso, escala, balanço, proporção, luz e sombra, eurritmia, cheios e vazios, simetria, ritmo, massa, volume, ênfase, carácter, contraste, personalidade, analogia.

 
O Espaço, protagonista da arquitectura
 

A falta de uma história da arquitectura que possa ser considerada satisfatória deriva da falta de hábito da maior parte dos homens de entender o espaço, e do insucesso dos historiadores e dos críticos da arquitectura na aplicação e difusão de um método coerente para o estudo espacial dos edifícios.
 

O que distingue a arquitectura das outras actividades artísticas é o facto de agir com um vocabulário tridimensional que inclui o homem. A arquitectura é como uma grande escultura escavada, em cujo interior o homem penetra e caminha.
 

Quando queremos construir uma casa, o arquitecto apresenta-nos as fachadas, secções e plantas. Representa o volume arquitectónico. Na verdade a planta de um edifício nada mais é do que uma projecção abstracta do plano horizontal, de todas as suas paredes. Uma realidade que ninguém vê a não ser no papel, cuja única justificativa depende da necessidade de medir as distâncias entre os vários elementos da construção, para os operários que devem executar materialmente o trabalho. Porém a arquitectura não provêm de um conjunto de larguras, comprimentos e alturas dos elementos construtivos que encerram o espaço, mas precisamente do vazio, do espaço encerrado, do espaço interior em que os homens andam e vivem.
 

Os estudos e investigações limitar-se-ão às contribuições filológicas - os dados sociais, isto é, da função; os dados construtivos, isto é, da técnica; os dados volumétricos e decorativos, isto é, plásticos e pictóricos.
 

As quatro fachadas de uma casa, ou igreja, por mais belas que sejam, constituem apenas a caixa dentro da qual está encerrada a jóia arquitectônica. Em cada edifício o continente é o invólucro mural, o conteúdo é o espaço interior. Com alguma frequência,, na verdade, com frequência demasiada, o invólucro mural foi objecto de maiores preocupações e trabalho do que o espaço arquitectônico.
 

Com a revolução dimensional cubista, descobriu-se uma quarta dimensão da perspectiva (espaço-tempo), que corresponde ao deslocamento sucessivo do ângulo visual. Os pintores cubistas procuraram exprimir esta realidade sobrepondo as imagens de um mesmo objecto representando-o de diversos pontos de vista para projectar ao mesmo tempo o seu conjunto. 

Os cubistas não esgotaram aqui a sua ânsia de descobrir e compreender profundamente a realidade de um objecto, levando-os ao seguinte pensamento: Em cada facto corpóreo, além da forma externa, existe o organismo interno; além da pele, existem os músculos e o esqueleto, a constituição interna. Assim, em suas pinturas, eles representam simultaneamente não só os diferentes aspectos exteriores de um objecto, digamos uma caixa, mas a caixa aberta, a caixa em planta, a caixa rasgada. A pintura cubista é de grande alcance histórico, independetemente da avaliação estética, porque proporcionou uma sustentação cientifíca à exigência crítica de distinguir entre arquitectura construída e arquitectura desenhada, entre arquitectura e cenografia, que durante longo tempo permaneceu em estado confuso.
 

As obras de arquitectura, para serem compreendidas e vividas, requerem o tempo da nossa caminhada, a quarta dimensão.
 

A quarta dimensão é suficiente para definir o volume arquitectónico, isto é, o invólucro mural que encerra o espaço. Mas o espaço em si- a essência da arquitectura - transcende os limites da quarta dimensão.
Quantas dimensões, tem então, este "vazio" arquitectônico, o espaço? Cinco, dez. Talvez infinitas. Basta porém estabelecer que o espaço arquitectônico não pode ser definido nos termos das dimensões da pintura e da escultura.

 

A definição mais precisa que se pode dar actualmente da arquitectura é a que leva em conta o espaço interior. A bela arquitectura será a arquitectura que tem um espaço interior que nos atrai, nos eleva, nos subjuga espiritualmente
 

A cenografia, a arquitectura pintada ou desenhada não são arquitectura, nem mais nem menos, como um poema ainda não transporto em versos e apenas narrado em duas linhas gerais não é um poema ou só o é no estado meramente internacional: em outras palavras, a experiência espacial não é dada enquanto a expressão mecânica e factual não tiver realizado a intuição lírica.
Sendo assim, considera-se que a experiência espacial da arquitectônica só é possível no interior de um edifício, ou seja, que o espaço urbanístico praticamente não existe ou não tem valor. O espaço não somente é o protagonista da arquitectura, mas esgota a experiência arquitectônica, e que, por conseguinte, a interpretação espacial de um edifício é suficiente como instrumento crítico para julgar uma obra de arquitectura.

 

A experiência espacial prolonga-se na cidade, nas ruas e praças, nos becos e parques, nos estádios e jardins, onde quer que a obra do homem haja limitado "vazios", isto é, tenha criado espaços fechados. Se no interior do edifício o espaço é limitado por 6 planos, não implica que não seja também espaço, um que é definido apenas por cinco planos, como uma pátio ou uma praça.
Não sei se a experiência espacial de percorrer uma auto-estrada, pode ser definida como experiência arquitectônica no sentido corrente da palavra, mas é certo que todo o espaço urbanístico, tudo o que é visualmente limitado por cortinas, quer sejam muros, fileiras de árvores ou cenários, é caracterizado pelos mesmo elementos que distinguem o espaço arquitectônico.

 
Dizer que o espaço interior é a essência da arquitectura não significa efectivamente afirmar que o valor de uma obra se esgota no valor espacial. Cada edifício caracteriza-se por uma pluralidade de valores: económicos, sociais e técnicos, funcionais e artísticos, espaciais e decorativos, e cada um tem liberdade de escrever histórias económicas da arquitectura, histórias sociais, técnicas e volumétricas, mas na verdade o edifício é consequência de todos esses factores e uma história válida não pode esquecer nenhum deles. Mesmo prescindindo dos factores económicos, sociais e técnicos e fixando a atenção nos factores artísticos, é claro que o espaço em si, apesar de ser o substantivo da arquitectura não é suficiente para defini-la. 
 
Após um século de arquitectura predominantemente decorativa, escultural, a-espacial, o movimento mderno, em sua magnífica tentativa de levar a arquitectura para o campo que lhe é próprio, baniu a decoração dos edifícios, insistindo na tese de que os únicos valores arquitectônicos legítimos são os volumétricos e espaciais. A arquitectura racionalista voltou-se para os valores volumétricos, enquanto o movimento orgânico se fixou nos espaciais. É óbvio, porém, que, se como arquitectos sublinhamos os substantivos e não os adjectivos da arquitectura, como críticos e historiadores não podemos propor as nossas preferências no campo dos modos ou das expressões figurativas como o único padrão apreciativo para a arquitectura de todos os tempos. Mesmo, porque, passados vinte anos de nudismo arquitectônico, de desinfecção decorativa, de fria e glacial volumetria, de esterilização estilística contrária a demasiadas exigências históricas e espirituais, a decoração está entrando de novo na arquitectura, e é justo que assim seja. A "falta de decoração" não pode ser um ponto programático de arquitectura alguma, a não ser em base polémica, e portanto efémera.
 

Tudo diz respeito à arquitectura como, de resto, todos os grandes fenômenos artísticos, de pensamento ou de experiência humana.
 

O facto de o espaço vazio, ser o protagonista da arquitectura é, no fundo, natural, porque a arquitectura não é apenas arte nem só imagem de vida histórica ou de vida vivida por nós e pelos outros; é também, e sobretudo, o ambiente, a cena onde vivemos a nossa vida.
 
Representação do Espaço